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A ilusão do livre-arbítrio segundo Schopenhauer

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Em abril de 1837, foi anunciado em um jornal alemão uma competição de ensaios organizada pela Sociedade Real Norueguesa de Ciências, que oferecia um prêmio para o melhor ensaio sobre a seguinte questão: a liberdade da vontade pode ser provada pela autoconsciência? Arthur Schopenhauer, então com cerca de cinquenta anos, decidiu responder à pergunta. Para sua satisfação, ganhou o prêmio. Esse ensaio apresenta a tese de que nossas ações não são realmente livres, mas sim determinadas pela combinação de eventos externos e o nosso caráter.

A ideia central de Schopenhauer é que nossas ações não são livres da maneira que pensamos. Quando fazemos algo, isso acontece porque somos motivados por alguma coisa — um desejo, uma necessidade, uma situação — e também por causa do nosso próprio caráter, que define como reagimos a esses motivos. Assim, o que parece ser uma escolha livre é, na verdade, o resultado de fatores externos e internos que não controlamos.

Mas o que nos leva a acreditar que temos o controle de nossas ações? Schopenhauer tinha duas explicações para esse fato.

Em primeiro lugar, a confusão que fazemos entre desejar e querer. Segundo Schopenhauer, uma pessoa, com um determinado caráter e em uma situação específica, só pode realmente querer uma única coisa — ou seja, agir de acordo com sua natureza e os motivos que a influenciam. No entanto, ela pode desejar muitas coisas diferentes, e essa capacidade de imaginar diferentes opções cria a sensação de que temos liberdade de escolha. Para ilustrar, imagine uma pessoa que precisa decidir se vai trabalhar em um dia chuvoso. Ela pode desejar ficar em casa descansando, assistir a um filme ou ir para o trabalho. Essas opções passam repetidamente pela sua mente, e, em cada momento, ela pode pensar: “eu poderia fazer isso”. No entanto, devido ao seu caráter, ela acaba querendo ir trabalhar, pois é isso que se alinha com sua personalidade e os motivos presentes. Assim, embora possa desejar muitas coisas, o que ela realmente quer é determinado por quem ela é e pelas circunstâncias. 

Uma segunda explicação para a ilusão do livre-arbítrio é que nossa capacidade de raciocinar e pensar de forma abstrata faz com que as causas de nossas ações sejam mais difíceis de perceber. Como nossos motivos muitas vezes envolvem lembranças, desejos futuros e conceitos abstratos, nossas ações parecem mais misteriosas e, por isso, temos a ilusão de que são totalmente livres. Por exemplo, uma pessoa pode decidir mudar de cidade em busca de uma vida melhor, levando em consideração uma série de fatores como experiências passadas e sonhos para o futuro. Esses fatores complexos fazem parecer que a decisão é totalmente livre, mas na verdade ela é resultado de uma série de influências e motivos que a pessoa não controla. Ao contrário disso, as causas do comportamento dos seres vivos menos complexos, como plantas e animais não humanos, são mais fáceis de enxergar. Por exemplo, sabemos que uma planta cresce em direção à luz devido ao estímulo da luz, e não supomos que ela tenha escolha. Da mesma forma, quando um gato caça um pássaro, não o culpamos moralmente, pois entendemos que ele está apenas seguindo sua natureza. Nesse dois casos, é mais fácil perceber que o comportamento é o resultado de uma causa porque tal causa ocorre logo antes. No caso dos seres humanos, a causa pode não ser tão clara.

O texto abaixo é um trecho do ensino premiado de Schopenhauer. Nele, podemos ter uma ideia de como o filósofo pensa o livre-arbítrio e seu estilo argumentativo.

Texto

[Para entender porque a ideia de livre-arbítrio é enganosa] devemos imaginar um homem que, estando, por exemplo, na rua, dissesse consigo mesmo: “São seis horas; o meu dia de trabalho terminou. Poderei, consequentemente, passear ou ir ao cassino; poderei, também, subir à torre para admirar o ocaso do sol, ou ir ao teatro, ou visitar este ou aquele amigo; e poderei, ainda, sair para os arredores da cidade e lançar-me em meio da vastidão do universo para não mais voltar… Tudo isso depende somente de mim; tenho plena e absoluta liberdade de agir como me apraz; entretanto, não farei nada de quanto tenho dito, voltando, pelo contrário, não menos voluntariamente para casa, junto de minha mulher”.

Tudo isso é como se a água tivesse dito: “Posso erguer-me estrondosamente em vastas ondas (certamente: quando o mar está tempestuoso!) — posso serpentear com arrancos precipitantes, devastando tudo à minha passagem (sim, no leito de uma torrente) — posso cair em tumulto de espumas (naturalmente, em cascata) — posso elevar-me no ar, livre como um raio (sem dúvida, no guincho de uma fonte) — posso, finalmente, evaporar-me e desaparecer (perfeitamente: ao calor de 100º) — todavia não faço nada disso e continuo quietinha, límpida e vaga, no espelho de um lago.”

Do mesmo modo, a água não pode transformar-se senão quando nela intervêm determinadas causas, levando-a a um ou a outro estado; assim, também, o homem não pode realizar tudo quanto imagina estar ao seu alcance senão quando a isso o conduzem motivos particulares. Nenhum ato lhe será possível sem a intervenção de uma causa; mas apenas essa aja sobre si, deve ele, de forma idêntica ao que acontece em relação à água, comportar-se do modo que é desejado pelas circunstâncias correspondentes aos casos singulares.

Texto de Schopenhauer

[Para entender porque a ideia de livre-arbítrio é enganosa] devemos imaginar um homem que, estando, por exemplo, na rua, dissesse consigo mesmo: “São seis horas; o meu dia de trabalho terminou. Poderei, consequentemente, passear ou ir ao cassino; poderei, também, subir à torre para admirar o ocaso do sol, ou ir ao teatro, ou visitar este ou aquele amigo; e poderei, ainda, sair para os arredores da cidade e lançar-me em meio da vastidão do universo para não mais voltar… Tudo isso depende somente de mim; tenho plena e absoluta liberdade de agir como me apraz; entretanto, não farei nada de quanto tenho dito, voltando, pelo contrário, não menos voluntariamente para casa, junto de minha mulher”.

Tudo isso é como se a água tivesse dito: “Posso erguer-me estrondosamente em vastas ondas (certamente: quando o mar está tempestuoso!) — posso serpentear com arrancos precipitantes, devastando tudo à minha passagem (sim, no leito de uma torrente) — posso cair em tumulto de espumas (naturalmente, em cascata) — posso elevar-me no ar, livre como um raio (sem dúvida, no guincho de uma fonte) — posso, finalmente, evaporar-me e desaparecer (perfeitamente: ao calor de 100º) — todavia não faço nada disso e continuo quietinha, límpida e vaga, no espelho de um lago.”

Do mesmo modo, a água não pode transformar-se senão quando nela intervêm determinadas causas, levando-a a um ou a outro estado; assim, também, o homem não pode realizar tudo quanto imagina estar ao seu alcance senão quando a isso o conduzem motivos particulares. Nenhum ato lhe será possível sem a intervenção de uma causa; mas apenas essa aja sobre si, deve ele, de forma idêntica ao que acontece em relação à água, comportar-se do modo que é desejado pelas circunstâncias correspondentes aos casos singulares.

Referência

Schopenhauer, Arthur. O livre-arbítrio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012, pp. 72-73.